1 de março de 2015

Vinte e Nove

Não existe dia para festejarmos o teu primeiro mês de vida. Seria uma data importante mas se há coisa que a mãe aprendeu no último mês, é que contigo no mundo todos os momentos são bênçãos e cada segundo é uma celebração.

Vou falar-te do dia em que nasceste.
Foi na madrugada do dia 29 de Janeiro; duas semanas mais cedo do que o previsto. Numa das últimas consultas de rotina, a médica anunciou que a viagem de regresso não seria para casa e que teríamos como destino a maternidade.. O corpo da mãe já estava pronto e tu querias nascer! Os pais saíram do consultório de mãos dadas e com risos tolos de nervoso miudinho ..

Nas horas que antecederam a tua chegada ao mundo, a mãe experimentou um mundo de emoções.

A dilatação correu lindamente mas uma reação totalmente inesperada à anestesia epidural fez com que a mãe ficasse muito mal disposta e sem forças para te ajudar a nascer.
Não te posso mentir filha, foram momentos muito angustiantes e tensos. Senti uma tremenda responsabilidade e brutal impotência. Tu, querida filha, precisavas de nascer e a mãe sentiu em cada milímetro da alma que não estava a conseguir ajudar-te.
Senti-me encurralada, aflita e triste...

A sala de partos ficou cheia de gente e o papá esteve sempre do meu lado a encorajar-me. O tempo foi passado, a mãe não melhorava e sentia-se cada vez pior. O oxigénio não ajudou e foi preciso um empurrão com um medicamento especial que reverteu o efeito da epidural. Quase de imediato a mãe ganhou forças e começou a sentir, literalmente, a tua cabecinha a querer sair. A mãe fez força, muita força… e pouco depois estavas cá fora.... pequenina e enroladinha como se ainda estivesses dentro da minha barriga....
Médicos e enfermeiras cuidaram de ti. Perguntei ao pai: “Estás a vê-la?”.. e a tranquilidade no sorriso dele foi o sim silencioso mais importante da minha vida.

Quando vieste para o meu colo seguiste o som da minha voz, olhaste-me nos olhos e cheiraste-me como se quisesses certificar-te que a mãe que te acolheu no ventre durante 9 meses, era a mesma em cujo peito agora repousavas.
É bem verdade que é um momento que o coração jamais esquece. Naquele bocadinho o mundo parou, e eu percebi que uma mãe vai sempre pedir ao tempo para que corra muito muito devagarinho.

Os momentos que se seguiram foram muito dolorosos para mim. Tu foste com o pai para o berçário e a mãe, já sem epidural, passou pelo resto do processo do trabalho parto onde a médica fez por pôr no lugar todos pedacinhos que se quebraram com a tua chegada.
A mãe sempre ouviu dizer que quando vos temos nos braços todas as dores se esquecem. Creio que não é verdade.. as dores não se esquecem, ganham é um sentido que é impossível de superar. O que te quero dizer é que foram dores terrivelmente penosas, mas que se eram elas a condição para tu fazeres parte da minha vida, a minha escolha seria vivê-las todinhas outra vez.

Quando me levaram para o quarto, o pai e tu já iam comigo.
Com a ajuda de uma enfermeira, pusemos-te a mamar! Pegaste com força e ali ficaste durante hora e meia, com a mãe a contemplar-te ainda meio incrédula com o facto de há umas horas estares na minha barriga, e num instante já estares nos meus braços.
Quando a enfermeira saiu ficámos os três sozinhos pela primeira vez. Outro momento único e que fica gravado na alma.
Os pais não conseguiram falar. Conseguiram só olhar bem fundo nos olhos um do outro, deram uma turrinha, olharam para ti e deixaram que as lágrimas corressem cara abaixo.
Ali estavas tu, saudável, perfeitinha, linda e acabadinha de chegar às nossas vidas. A mãe balbuciou baixinho: “A nossa menina!”.

Abraçámo-nos em trio e ali ficámos em suspenso num tempo eterno que não há relógio nenhum no mundo que seja capaz de marcar..
Nas horas seguintes dessa madrugada tu dormiste serenamente ao meu lado e o pai, também exausto, entregou-se a um sono profundo no sofá.

A mãe ficou acordada durante muito tempo, absorvida numa salada de fruta de emoções.
Por um lado, havia o sabor doce e único por tu teres nascido. Por outro, havia também um travo amargo de desilusão. Não contigo que eras maravilhosa…… mas com a recordação dos momentos angustiantes do parto…. senti que talvez tivesse falhado na maior missão da minha vida.

Acabei por adormecer no meio destas emoções contraditórias e foi então que me aconteceu algo mágico, muito muito mágico.
Alguns irão ler e rir-se-ão, outros acharão o episódio engraçado, outros há que, como eu, sentirão que nesta vida todos somos abençoados e que há mensagens que ultrapassam a nossa dimensão de humanos racionais e terrenos.

A mãe teve um sonho onde recebia no quarto da maternidade a visita da Virgem Maria. Ela vinha banhada de luz e, com uma ternura imensa, pegou no meu rosto com as duas mãos. As mãos dela eram brancas quase da cor do leite e eram tão suaves e macias que pareciam seda.
Ela inclinou-se e soprou-me uma melodia ao ouvido..
A música era o “Let it Be” dos Beatles.
O carinho na voz dela não o consigo sequer descrever... era totalmente divino e cheio de Amor. 
Despertei deste sonho com leveza no coração e a mensagem que me ficou gravada na alma trouxe-me paz.
Não importa o que se passou.. Let it be….
Fizeste o melhor que podias com os recursos que tinhas… Let it be….

Naquele momento reflecti que o meu parto, foi apenas a primeira de muitas vezes em que, como mãe, vou sentir que estou falhar. Nesses momentos conto lembrar-me deste conselho sábio e encontrar conforto nesta melodia…

6 comentários:

  1. Em primeiro lugar: Parabéns pelo nascimento da vossa filha! A maior bênção, a maior magia, o maior milagre que há no mundo...um filho.
    Em segundo lugar: FINALMENTE !!! Estava que não podia para saber :)
    Em terceiro lugar: Ainda bem que não sou a única que tem direito a banda sonora como nos filmes :) haja alguém que me compreende, embora essa banda sonora tenha um alto patrocínio...
    Em quarto lugar: tens razão em dizer que essa frustração apenas agora começou. "Só" tens que ser "suficientemente boa". Sabes tão bem como eu.
    Um grande beijinho

    Lia
    http://opsidascoisas.blogspot.pt/

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    1. É uma bênção maravilhosa SIM SIM SIM! E com banda sonora tem outra pinta!! :D
      Beijinhos... suficientemente bons ;)

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  2. Só agora pude dedicar um tempinho para ler o blog, mas fiquei enternecida com o teu relato e arrepiada com a descrição do teu sonho. Sempre que te sentires mais em apuros, pede ajuda à Mãe do céu, que decerto te tranquilizará! E sim, "let it be"! <3

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